sexta-feira, 31 de agosto de 2012

O TEXTO É GRANDE,MAIS NÃO DEIXE DE LER ESSA MARAVILHOSA MATÉRIA CONCEDIDA A REVISTA

 
Trinta anos de política e cascalhos

Passava das sete da noite quando o vereador Agnaldo Timóteo (PR) chegou à Câmara Municipal de São Paulo. Foi um dos últimos a aparecer na reunião do seu partido que oficializou a coligação proporcional com o PSDB e o apoio do partido ao candidato tucano, José Serra. Acostumado com os holofotes ...
desde que se tornou uma das vozes mais conhecidas do Brasil nos anos 1960, o cantor e vereador fica à vontade com o assédio dos militantes à entrada da sala. Distribui sorrisos e cumprimentos, ouve queixas e posa para fotos.

Na bancada com os correligionários, mantém o estilo agitado. Acena para a plateia, puxa aplausos aos colegas de partido e entoa o refrão da canção gospel de Waldecy Aguiar "Vai Dar Tudo Certo" quando o orador da reunião questiona se alguma das lideranças partidárias presentes ao evento gostaria de comentar a votação que definiu os rumos da legenda na capital paulista. O figurino faz parte da performance. É comum vê-lo circular pela Câmara com joias de ouro e ternos das cores azul e verde claro, amarelo e vermelho.

"Sou vaidoso. Gosto que as pessoas me vejam como um homem elegante e bem vestido, apesar da minha idade (75 anos) e dos meus 99 quilos". A preocupação com o modo de se vestir contrasta com a do colega de partido, o deputado federal Francisco Everardo Oliveira da Silva, o Tiririca, que dispensou o terno pelo paletó e a calça jeans. Os dois, por sinal, só têm em comum o fato de estarem filiados ao PR e terem como origem a classe artística. Timóteo completa, em 2012, trinta anos na política. Neste período, passou por PDT, PDS, PP e PR.

Mesmo assim, não se considera político. "Sou um homem de classe média. Nunca usei isso aqui para arrumar um cascalho". A experiência de cinco mandatos parlamentares, contudo, lhe permitiu conhecer os meandros da política. Em julho, por exemplo, foi acusado de fraudar o painel eletrônico da Câmara junto com 16 vereadores. Em sua defesa, alegou ter marcado presença no terminal ao lado do elevador. Em 2011 reconheceu no plenário ser quase impossível fazer campanha independente. "Não faço sem ajuda e quando posso vou até o Rio pegar com os bicheiros".

A popularidade, conquistada ao longo de 47 anos de carreira como cantor e 63 discos gravados, aliada a um histórico de votações expressivas num passado distante, fazem de Timóteo uma das principais apostas do PR na disputa de outubro. Para o comando da legenda, a fama de arruaceiro e destemperado do "garganta de ouro", como é chamado pelos correligionários, não corresponde à realidade e nunca colocou em risco a união do partido. Nem mesmo quando divulgou carta em que ligava a sigla à cobrança de propina na Feira da Madrugada. "Timóteo não teme expor suas opiniões, mesmo que gerem polêmica", diz o vereador Antonio Carlos Rodrigues (PR), que intermediou a ida do cantor à sigla.

Nestas eleições, o vereador espera ser reeleito com 50 mil votos. A missão não será fácil. Em 2008, dos 55 vereadores eleitos pela cidade, apenas 11 atingiram esse patamar. Timóteo, aliás, nunca obteve essa votação por São Paulo. Além disso, desde 2004, quando foi eleito pela primeira vez na capital paulista, com 37 mil votos, e em 2008, com 26 mil, vem enfrentando a perda de seu eleitorado. Isso sem contar a eleição de 2010, para deputado federal, quando teve 25 mil votos e não conseguiu uma cadeira em Brasília.

"O povo gosta da fanfarronice, mas hoje meus eleitores são aqueles que apreciam a verdade". O vereador também justifica a perda de eleitores pela falta de empenho na campanha à reeleição. Em relação a 2010, alega ter sido boicotado pelo secretário-geral do PR, o deputado federal Valdemar Costa Neto (SP), que o teria retirado da propaganda eleitoral no rádio e na TV por 22 dias, após uma pesquisa indicar que Tiririca teria mais de um milhão de votos para deputado federal.

"Não faço campanha sem ajuda e quando posso vou até o Rio pegar com os bicheiros", disse em plenário

"Fiquei indignado. As pessoas me ligavam para saber o meu número. Desta vez, vou espalhar 20 milhões de cédulas para não ficar refém da TV". A queda na votação, no entanto, não é novidade para Timóteo, eleito deputado federal pelo PDT do Rio, em 1982, com 503 mil votos. Trata-se da segunda maior votação para o cargo em toda a história do Estado. A marca só foi superada por Anthony Garotinho (PR), que na última eleição para a Câmara conquistou 694 mil votos.

Apesar da votação recorde naquele ano, o resultado foi insuficiente para alavancar sua candidatura ao governo fluminense, em 1986. Moreira Franco (PMDB) venceu a disputa contra Darcy Ribeiro (PDT) com a popularidade do então recém-lançado Plano Cruzado pelo governo de José Sarney (1985-1990). Enquanto isso, Timóteo, já filiado ao PDS, ficou com apenas 1,8% ao totalizar 109 mil votos. "Me candidatei para ver como seria a reação dos negros. Sempre reclamamos de discriminação". A iniciativa, entretanto, não surtiu efeito. As lideranças negras apoiaram Darcy Ribeiro. Mesmo assim, Timóteo atribui a si a responsabilidade pela derrota do antropólogo.

"No último programa de TV levei o romance do Darcy, "O Mulo", onde está escrito assim: "Preto é assim. Inteligência, às vezes até que tem, mas não presta para nada". O Roberto Marinho pediu o livro emprestado e colocou no programa radiofônico "Debates Populares". Não tinha segundo turno naquela época e o Darcy estava disparado na frente. No fim, perdeu. Eu o derrotei. Foi minha vingança porque pedi a ele emprego para um compadre e ele me ofereceu um de salário mínimo. Mandei dar para a mãe dele", relembra.

Em 1995, Timóteo retornou à Câmara dos Deputados com a modesta votação de 30 mil votos. A experiência em Brasília dessa vez durou pouco. Dois anos depois renunciou ao cargo para concorrer a vereador pela cidade do Rio. O cantor ficou contrariado com o fato da emenda que permitia a reeleição ter sido aprovada em 1997. "O projeto foi apresentado antes. Votaram depois para prejudicar o Maluf e impedir que ele pudesse se beneficiar disso em São Paulo".

A lealdade ao prefeito, porém, o obrigou a trocar o PP pelo PR. O vereador temia não ter a legenda para concorrer à reeleição depois que Maluf rompeu com o então presidente do diretório municipal pepista, Celso Russomano. Esse não foi o único episódio em que a admiração por Maluf colocou em risco o futuro político do cantor. Na eleição indireta para presidente, em 1985, se negou a seguir a orientação do PDT de apoiar a candidatura de Tancredo Neves (PMDB) em detrimento do ex-prefeito e foi expulso da legenda.

A saída do PDT também foi a gota d"água de uma relação desgastada desde que Timóteo e Brizola trocaram insultos no fim de 1983. Na ocasião, o então governador anunciou aos parlamentares do PDT o acordo com o PMDB e PTB, adversários na eleição do ano anterior, para montar um governo de coalizão. Timóteo, por sua vez, estava irritado com o fato de Brizola não nomear pessoas indicadas pela bancada para cargos públicos.

"O tempo passou e fizemos as pazes. Ninguém pode negar que o Brizola tinha uma visão social fantástica". O rompimento, embora esperado, não deixou de causar alguma surpresa já que, segundo Timóteo, ele decidiu entrar na política justamente para ajudar o fundador do PDT na disputa pelo governo do Rio, em 1982.

A capacidade de circular por extremos também pode ser medida hoje. Timóteo vai apoiar a candidatura de Serra este ano. O cantor, contudo, já fez críticas ao tucano, inclusive, no segundo turno da campanha presidencial de 2010, quando defendeu a candidatura de Dilma Rousseff (PT). Na época, insinuou que Serra seria preconceituoso por não abrir espaço na administração aos negros quando governou a capital paulista e o governo do Estado.
Alessandro Shinoda/Folhapress - 13/07/2012 / Alessandro Shinoda/Folhapress - 13/07/2012Aguinaldo Timóteo faz campanha no Mercado Municipal do Ipiranga ao lado do candidato do PSDB à Prefeitura de São Paulo, José Serra

Ao mesmo tempo em que apoia o tucano e ressalta suas qualidades de administrador, se derrete em elogios ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. "Ninguém fala o idioma popular como o Lula, o maior presidente de toda a história do Brasil". Recentemente, o cantor fez uma música em homenagem a Lula e cantou durante a cerimônia em que o ex-presidente recebeu o título de cidadão paulistano na Câmara Municipal.

Para o vereador Alfredinho (PT), a postura de Timóteo revela um político ideologicamente confuso. "É engraçado porque ele é fã do Lula, defende os petistas e a ditadura militar", concorda o vereador Carlos Apolinário (DEM). Apesar disso, os dois ressaltam a capacidade do parlamentar em ajudar as pessoas. Esse é o caso, por exemplo, da filha adotiva Keyty Evelyn, de cinco anos. "A mãe pediu uma vaga na creche. Eu as tirei de um albergue", afirma o cantor, que perdeu uma filha com oito anos vítima de leucemia.

O vereador diz que nunca teve problemas em conciliar a vida de cantor com a política. A renda dos espetáculos, reconhece, entra e sai com enorme facilidade. "Ajudo, na pior das hipóteses, 60 pessoas. Pago o aluguel de um, o IPVA de outro e por aí vai. Nunca tive ambição de ser milionário. Por isso moro numa quitinete". Nesta campanha, declarou à Justiça Eleitoral R$ 504 mil em bens, menos do que os R$ 880 mil que possuía em 2010. Seu maior patrimônio é um apartamento na Rua Frei Caneca, centro de São Paulo, avaliado em R$ 150 mil.

Timóteo trocou o Rio por São Paulo, em 2002, depois de receber o aval da prefeita Marta Suplicy (PT) para vender seus CDs em praça pública. A ideia de comercializar os discos na rua já tinha sido adotada na cidade maravilhosa, onde afirma ter vendido 100 mil CDs desta forma. O objetivo, contudo, era ampliar a estratégia para a capital paulista. O vereador afirma que nessa época nem pensava em ser candidato, embora já tivesse transferido o domicílio eleitoral. A mudança de ideia ocorreu depois que foi impedido por um fiscal da prefeitura de vender os CDs na Praça da República, em 2004.

"Era um canalha presunçoso que veio criar problema comigo. Ele chamou a Guarda Municipal. Foi a maior confusão, mas o povo reagiu ao meu favor. O Clodovil descobriu isso e criticou na TV a Marta, que não tinha nada a ver com a história. A prefeita, então, enviou o responsável pela guarda para se desculpar comigo. Percebi que estava bem na fita e decidi me candidatar".

Nos oito anos de mandato na capital paulista, apresentou 94 projetos, sendo que 32 foram aprovados, 61 estão em tramitação e um foi vetado. Entre os aprovados, são 12 homenagens, como título de cidadão paulistano ou honraria de medalha Anchieta. Esportistas, políticos e personalidades da música estão entre os agraciados. Outros três projetos alteram ou denominam nomes de rua. Além disso, quatro referem-se à criação de datas comemorativas, como dia das mães adotivas e de gratidão a nortistas e nordestinos.

Timóteo também aparece como autor, junto com outros vereadores, da proposta que institui a ficha limpa para nomeação de cargos na administração municipal e da substituição das embalagens plásticas por congêneres biodegradáveis. Há outros também como a criação de carteira de saúde bucal na rede municipal de educação e o que permite a cantores e conjuntos musicais autorização para comercializarem suas obras em praças públicas.

Nos últimos meses tem-se notabilizado pela defesa do regime militar, principalmente quando a Casa votou a criação Comissão da Verdade Municipal, que investigará violações aos direitos humanos na cidade entre 1946 e 1988. "Quero saber se essa comissão vai investigar todo mundo, inclusive a presidente Dilma, ou só os militares". Nestas eleições, considera a questão da segurança pública com um dos principais desafios da futura administração. Sempre que pode, sobe à tribuna para defender a pena de morte para os crimes considerados bárbaros.

Sônia Barboza, coordenadora do Movimento Voto Consciente, entidade que acompanha o desempenho dos vereadores, avalia como clientelista a conduta de Timóteo. "Mesmo presente, sua atuação é pífia. Não é a de um vereador que se preocupa em apresentar projetos de grande impacto coletivo". Em 2008, a ONG apresentou um estudo com a avaliação de cada um dos 55 vereadores. Timóteo ficou na 36ª posição. Tirou zero no quesito coerência, quando os projetos apresentados não estão de acordo com as promessas de campanha.

"Timóteo ficou irritado, mas esqueceu de que quando foi perguntado sobre sua principal preocupação, disse que era com a habitação. Ele não fez nenhum projeto sobre o assunto". Em agosto, a ONG divulga a avaliação de 2011 e 2012. Nada que possa preocupar o polêmico vereador. "São uns chatos de galocha, uns moralistas de araque. Se são tão bons assim, por que não vão para rua pedir votos?", indaga.
 
 

Nenhum comentário:

Postar um comentário